#02 | A Necessidade de Ser Amado e o Medo da Solidão em Queer.
a urgência em precisar ser amado para se sentir menos sozinho
“Amar alguém e ser amado significa muito pra mim. Nós sempre tiramos sarro disso e tal, mas tudo o que fazemos na vida, não é só uma maneira de ser um pouco mais amado?” – Celine, Before Sunrise.
Assisti a Queer, totalmente movida pela fotografia impecável do filme (pelo menos nas primeiras partes) e obviamente pelo Daniel Craig que continua um gostoso e impecável nos seus trabalhos, tanto é que foi indicado ao Globo de Ouro de melhor ator pelo papel no filme. Confesso que tinha expectativa de assistir, gosto bastante dos trabalhos do Luca Guadagnino (Me chame pelo seu nome, Até os ossos, Rivais) acho que ele cria uma imersão muito única nos filmes que sempre combina perfeitamente com a história sendo contada de uma forma que pelo menos eu, uma mera telespectadora e não crítica de cinema, acho muito singular dos filmes dele.
Porém, em Queer o filme perde um pouco a mão do meio para o final, em parte por ser desnecessariamente longo e acabar ficando confuso. Embora essa seja só a minha opinião que ninguém solicitou mas vou falar mesmo assim.
Queer é uma adaptação do livro de mesmo título de William S. Burroughs, que conta a história de um escritor solitário – inclusive dando uma pesquisada descobri que o personagem se tratava de uma espécie de alter ego do autor para relatar sua experiência com a abstinência de drogas – que de repente se encontra obsecado por um jovem rapaz que se mostra frio e quase inatíngivel mesmo quando eles começam a ficar juntos.
Não cheguei a ler o livro ainda, mas li de outras críticas que o filme cria novas coisas para além da história original, tanto que por isso se perde bastante, então acredito que como de costume o livro deva ser melhor. Se você já leu, deixem opiniões quero saber.
por que estamos sempre obsecados por aquilo que não temos?
William Lee, nosso típico escritor solitário, começa o filme vagando pelas ruas da Cidade do México sem rumo. Ele entra em um bar, sai depois de poucos minutos e segue para outro bar. Em cada um ele procura por um amante, com uma expressão de “oi lindos, busco sexo rsrs”. As vezes consegue, as vezes não, e assim o filme mostra que ele vive a maior parte de seus dias: sozinho, com excessão de alguns poucos momentos em que ele encontra alguns amigos que também são da comunidade queer.
Porém, em poucos minutos de filme sem que nenhum dos personagens precisem dizer nada nós já conseguimos entender que mais do que sexo casual, o protagonista busca conexões verdadeiras e íntimas para escapar da sua solidão.
E é no meio de suas buscas por sexo casual, que ele encontra Eugene Allerton um ex-soldado expatriado, que é jovem, bonito e o pior: reservado. Não levem a mal, acredito que seja essencial guardarmos mais do que falamos, mas com certeza o terror de alguém carente e desesperado é alguém extremamente reservado, porque com o muito pouco a ser falado concretamente pelo outro, muito se pode ser idealizado.
E assim, eles começam a sair e conversar por um tempo enquanto Lee se questiona quase enlouquecido se Eugene é ou não homossexual também, já que o mesmo todas as noites sai com uma mulher ao que ele e os amigos pressupõem ser uma namorada. No entanto, em uma noite Lee finalmente consegue levar Eugene pro abate e os dois começam um “relacionamento”, entre muitas aspas porque Eugene mantém uma distância emocional de Lee que busca desesperadamente se conectar com o rapaz e ser amado por ele.
Essa primeira parte é composta por cenas - incríveis, diga-se de passagem - dos dois conversando, ou no cinema juntos lado a lado em que Lee pega-se imaginando tocar a pele de Eugene como se sua vida dependesse disso, mostrando como a sua necessidade por conexão e ser amado era tão grande que ele queria afundar na pele de Eugene, “até os ossos”. Quem já assistiu esse filme do mesmo diretor (Até os ossos, 2022), deve ter relacionado um pouco essa ideia, o desejo tão profundo de ser amado a ponto de você querer afundar na pele da pessoa usando o canibalismo como metáfora para o amor, embora não seja o caso de Queer, não consegui deixar de lembrar disso.
Até mesmo em Supernatural, série de 2005, no episódio 14 da 5 temporada onde o Cavaleiro do Apocalipse Fome surge na cidade justamente no dia dos namorados, muitas pessoas que tinham fome de amor acabavam comendo seus parceiros (no sentido literal da palavra) até a morte.
Mas diferente do outro filme do diretor, aqui Lee não recebe recíprocidade e por isso fica ainda mais obcecado por essa conexão enquanto Eugene se mostra emocionalmente indisponível. Eles estavam juntos fisicamente, mas seus sentimentos estavam a abismos um do outro.
Em várias partes, vemos apenas Lee falando bastante sempre atento e ansioso pelas reações de Eugene, até mesmo quando conversam com um outro amigo ele sempre olha para Eugene buscando suas reações, que se mostra pacífico e de poucas palavras.
Porém, quanto mais Eugene se mostra distante e claramente sem vontade alguma de estabelecer uma conexão íntima naquele momento, mais Lee se mostra desesperado e carente por sua atenção.
absolute cinema!
a busca por preencher o vazio.
A partir daqui acredito que haverão spoilers que podem influenciar a experiência de assistir o filme, então recomendo ler depois de também ter assistido e tirado suas proprias interpretações já que eu diria que a terceira e última parte do filme já vai muito mais da interpretação pessoal de cada um.
Na segunda e terceira parte, Lee embarca em uma viagem para a América do Sul em busca de uma planta chamada yagé que supostamente oferece habilidades telepáticas e convida Eugene para irem juntos. Nesse meio tempo, Lee também fica doente por conta de seu vício em drogas e acredito que essa parte do filme comece a focar mais em como Lee tinha vários vícios e obsessões para preencher o seu vazio, e em quase todos os momentos da viagem Lee se mostra cada vez mais frágil, vulnerável e carente.
Na terceira e última parte eles viajam para uma floresta onde vão encontrar a tal planta, aqui a fotografia já é bem mais escura e com cortes estranhos, perdendo totalmente a beleza ampla e de cores das primeiras partes. E aqui também, fica a críterio de quem assistir entender porque eu mesma não entendi nada.
Depois dos dois encontrarem a tal planta eles alucinam e “vomitam seus corações”, começando a se comunicar telepaticamente e Eugene diz que: “Eu não sou queer. Eu sou desencarnado.”
O que diabos isso significou acredito que só pessoas inteligentes entederiam e eu não entendi. Mas desencarnado significa, de acordo com o google e dicionários, alguém desapegado da carne, desprendido do corpo físico, falecido e morto.
Pra mim isso reforça a ideia de que Eugene era alguém idealizado na cabeça de Lee para se sentir menos sozinho. No final eles retornam para a Cidade do México e Eugene viaja a trabalho e nunca mais é visto por Lee. No fim, Lee já idoso e sozinho imagina Eugene ainda jovem lhe abraçando enquanto ele morre.
a idealização do amor e a busca por relações perfeitas.
Acredito que quase todos nós compartilhamos um pouco dos sentimentos de Lee em buscar conexões verdadeiras, o ser humano é naturalmente sociável e desde os primórdios da existência precisavamos uns dos outros não só para sobreviver mas também para criar laços de conexão, por mais que você seja o tipo de pessoa que goste de passar tempo sozinho ainda assim vai ser necessário em outros momentos de conexão genuína seja com amigos ou com um parceiro romântico. É natural, é humano. E hoje apesar de cada vez mais vermos a priorização da individualidade e conquistas pessoais, não podemos negar que mesmo carregando todo o amor próprio do mundo você ainda assim como o bom ser humano que é vai precisar e sentir falta em ser amado por outras pessoas que não sejam você. Seja romanticamente ou não.
Recentemente, vi uma postagem falando sobre como namorar está em crise explicando mais sobre esse fênomeno, que até um tempo atrás parecia algo mais comum em países como o Japão ou países asiáticos que sempre tiveram altos relatos sobre a solidão e problemáticas para os habitantes se relacionarem, mas que agora parece crescer e se tornar um problema na grande maioria dos países, inclusive aqui no Brasil.
Mas afinal, ninguém mais quer um relacionamento? Ou será que só estamos idealizando o momento e o par perfeito que talvez nunca chegue?
Acho que mesmo em tempos que muito se fala sobre se priorizar e amor próprio, ainda assim por trás de toda essa camuflagem existe uma busca por encontrar alguém que preencha essa necessidade de perfeição que parecemos querer em todas as áreas da vida, quando na verdade se tratando de relacionamentos o buraco é bem mais embaixo.
Ninguém mais quer construir coisas com ninguém, queremos o imediato e um relacionamento estável com pessoas igualmente estáveis logo de cara, não existe mais a paciência de querer desenvolver alguma coisa com ninguém. Talvez pela internet, embora hoje em dia tudo pareça ser culpa da internet, mas acredito que principalmente com a nossa própria mentalidade.
Eu mesma inclusive, nunca namorei, namoro sério e longo, nunca. O motivo são vários, mas vou privar vocês dessa parte porque meio que sou eu a pessoa emocionalmente indisponível das relações, um dia trato na terapia.
Acredito que essa queda de relacionamentos deva-se em parte a um individualismo errado, não é como se priorizar vida pessoal hoje fosse um ato de amor próprio, pelo menos não em todos os casos, a impressão que tenho é que as vezes se parece muito mais como uma escapatória e refúgio do medo de se relacionar e amar alguém de fato, com todas as partes ruins que existem em se relacionar. Existe um abismo entre gostar de como aquela pessoa te faz sentir e gostar da pessoa de fato, assim como Lee podemos acabar criando expectativas no outro em busca de confortos que também devemos encontar em nós mesmos.
Li essa semana, o texto 10 Anos de Casamento: Desmanual de Como Sobreviver (e Amar) a Longo Prazo, que recomendo a leitura por contar justamente a experiência de um relacionamento longo e de como para isso existir vai haver vários momentos de crise e desenvolvimento de ambas as partes para continuar funcionando. Deixando também uma recomendação de uma das minhas trilogias favoritas, deixo a indicação para assistir Before Midnight (2013), que é o último da trilogia e mostra a relação de Celine e Jesse após anos do casamento de uma forma muito mais crua e verdadeira enquanto tentam salvar sua relação em meio ao caos e a rotina. Amar é muito mais sobre um ato de coragem do que um ato bonito.
“Se você quer um amor verdadeiro, é isso aqui. Isso é a vida real. Não é perfeito, mas é real.” — Jesse, Before Midnight.
Obsessões da semana:
tu nunca gostou de alguém de verdade, esse vídeo me ajudou no processo de escrita do texto de hoje e trás várias reflexões e embasamentos psicólogicos de como nos relacionamos com outras pessoas.
A morena tá viva! Aos fãs de diva pop simplesmente Lady Gaga ressucitando o dark pop. Ela quase quebrando o quadril de novo pra fazer os gays felizes, uma mãe!
amei seu trabalho, bestie. é uma ótima crítica e eu sou obcecada por falar de amor, então amei a sua percepção do filme.
não li tudo pq fiquei curiosa para ver, mas volto aqui e termino a leitura logo, logo.
<3